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02 outubro 2006

Capítulo 02 – O olhar do turista (do Cariri)

2.1 – O olhar do viajante

Como pude comprovar no livro O Olhar do Turista, de John Urry, as pessoas quando viajam têm fascínio em ver como os outros exercem seu trabalho. Procuram, ao mesmo tempo, coisas distintas da sua realidade, exóticas, desconhecidas e coisas que o remetam ao lar, ao seu cotidiano, que pode ser desde uma comida caseira até uma casa ou paisagem que lhe lembre da infância.

O turista é uma espécie de peregrino contemporâneo, procurando autenticidade em outras “épocas” e em outros “lugares”, distanciados de sua vida cotidiana. Os turistas demonstram um especial fascínio pelas “vidas reais” dos outros, que, de certo modo, possuem uma realidade difícil de descobrir em suas próprias existências. (Urry: 1973, pág. 24/25)

Esse trecho me levou a pensar em algo bem prático: que talvez o que desperte o interesse no turista seja ver os outros trabalhando enquanto ele descansa. De ver pessoas que não estão dentro de sua realidade e contexto social, exercendo um trabalho totalmente diferente do seu. É uma espécie de perversão do lazer, já que envolve uma volta ao local de trabalho.

Turner (opud Urry: 1973, pág. 26) classifica alguns Ritos de Passagem do “peregrino”:

1. Separação social e espacial do lugar normal de residência e dos laços sociais convencionais.
2. Liminaridade: o indivíduo encontra-se em uma “antiestrutura (...) fora do lugar e do tempo”. Os laços convencionais são suspensos. Têm ligações intensas e experiências diretas com o sagrado e o sobrenatural.

3. Reintegração: o indivíduo é reintegrado ao grupo social anterior, habitualmente em um status social mais elevado.

Outro trecho bastante interessante de Urry diz respeito aos diversos tipos de impressões que os turistas desejam ter. Ao final acaba coincidindo com os Ritos de Turner. Embora se desenvolvam de diversas maneiras, dependendo de diversos aspectos sociais, terminam com o aspecto de que o turista sempre busca uma forma de turismo que contraste com sua realidade.

Não existe um único olhar do turista enquanto tal. Ele varia de acordo com a sociedade, o grupo social e o período histórico. Tais olhares são construídos por meio da diferença. Com isso quero dizer que não existe apenas uma experiência universal verdadeira para todos os turistas, em todas as épocas. Na verdade, o olhar do turista, em qualquer período histórico, é construído em relacionamento com seu oposto, com formas não-turísticas de experiência e de consciência social: o que faz com que um determinado olhar do turista dependa daquilo com que ele contrasta; quais são as formas de uma experiência não-turística. Esse olhar pressupõe, portanto, um sistema de atividades e signos sociais que localizam determinadas praticas turísticas, não em termos de algumas características intrínsecas, mas através dos contrastes implicados com praticas sociais não-turísticas, sobretudo aquelas baseadas no lar e no trabalho remunerado.


2.2.1 - impressões particulares sobre do olhar do turista

Percebi que muitas vezes o indivíduo se estressa mais planejando uma viagem que saia totalmente do seu contexto, do que se não tirasse férias. Nas grandes cidades, hoje, creio que deve ser mais estressante tirar férias e querer a todo custo curtí-la ao máximo do que trabalhar. Partindo desse princípio, o indivíduo busca incessantemente conhecer lugares onde as demais pessoas de seu convívio nunca tenham pensado em ir. Esse é um ponto a ser explorado para o incentivo do turismo no Vale do Cariri.
Além disso, percebe-se também que todo indivíduo que planeja sua viagem para lugares exóticos o faz com dois objetivos. Um talvez inconsciente, de querer se distrair mas procurar conhecer o trabalho alheio (ou uma forma de poder dizer a si mesmo que, enquanto os demais estão trabalhando, ele está ali só para se divertir e conhecer coisas novas). E consciente, ao fazer desse tipo de viagem, algo que lhe acrescente elementos culturais, creditando-lhe, assim, mais status, além do prazer do lazer.
Dessa forma podemos pensar que elementos produzem um olhar turístico diferenciado? São aspectos diferenciados do que as pessoas encontram diariamente em suas vidas cotidianas.

O turismo resulta de uma divisão binária básica entre o ordinário/cotidiano e o extraordinário. (Urry: 1973, pág. 28)

De qualquer forma, existem dois aspectos a serem explorados em Nova Olinda a partir da Casa Grande. Um é o próprio Vale do Cariri, sua origem jurássica, um vale cheio de nascentes em meio ao sertão. Outro é o lado social, ou, como diria Urry, pelo lado perverso do lazer, já que a fundação é mantida graças ao trabalho dos jovens que lá frequentam.


2.1 – Primeira flor – Aspectos Naturais de Nova Olinda

A chapada do Araripe é como a boca de uma cratera. Ao chegar no Crato, há uma floresta e, dentro, aquela cratera com um monte de cidades dentro. Cidades todas juntas. Todas são sítios arqueológicos.

A Chapada do Araripe surgiu quando estava havendo a separação dos continentes, da África e do Brasil, com a movimentação das placas tectônicas. Em um primeiro momento o mar entrou até a Chapada do Araripe, que era uma região de grandes lagos, com vida marinha, com piterossauros, dinossauros (segundo Alemberg, a pesquisa para o filme Parque dos Dinossauros foi realizada ali).

Foi o primeiro lugar onde surgiram as flores, segundo informação divulgada na exposição da Universidade Álvares Penteado sobre a Chapada do Araripe,

Era uma região viva. Então o mar entrou, com o afastamento das placas tectônicas, e matou a vida lá da água doce, os peixes pequenos. Esses peixes pequenos vieram para o fundo do lago, dando origem à vida marinha. Com uma nova movimentação das placas, o mar ficou fechado, formando um grande lago salino. A água, com o tempo, foi evaporando e a vida marinha não sobreviveu, originando fósseis cobertos pela erosão. Esses fósseis viraram pedras, as “pedras de peixe”, como a população local chama. São como retratos de 150 milhões de anos. Pedras com peixes dentro, que são usadas também como ornamentação das casas. (o piso da casa de Alemberg é todo dessa pedra, e ele afirma que pode-se enxergar as piabinhas)

Você vê as piabinhas na rocha. E isso se transformou em um ambiente especial, que virou um oásis. No Nordeste houve mudança climática em volta e a Chapada do Araripe conservou aquele oásis. O vale dos dinossauros. (...) E isso foi que gerou a cultura do Cariri. É uma região onde tem uma cultura forte justamente por isso. Porque foi o lugar, vamos dizer assim, um dos últimos lugares em que houve uma movimentação das águas bem especial. E que gerou esse ambiente. Eu digo que um dos lugares de energia do planeta é a Chapada do Araripe. Como a Chapada dos Guimarães, como outros pontos que são lugares em que você vê que existe uma energia. A Casa Grande de certa forma é um Beija-Flor que procura sugar essa energia e condensar lá dentro, para passar um pouco para as pessoas. É uma questão de visão. Não adianta você dar visão. Ninguém capacita ninguém. A pessoa é que descobre dentro dela. É como se fosse uma pessoa enxergando um universo pelo buraco de uma agulha. Você ter a capacidade de entrar... Por isso que eu acho que a história não é só capacitar. É conviver. É criar um ambiente e conviver.
AQ

Hoje a Chapada é conhecida por uma linha de densa mata de milhões de anos. Esconde, por entre trilhas e curvas, uma das maiores jazidas fossilíferas do período cretáceo do planeta e inúmeras fontes de água cristalina. Sob o sol escaldante do Sertão, reinam o cheiro da rapadura, o artesanato feito por mãos hábeis, cantos e danças que refletem o cotidiano do povo do lugar.

continua...