Capítulo 01 – Sobre os envolvidos
Nasceu Francisco Alemberg de Souza Lima.
Francisco por promessa da tia que, por medo que o bebê fraquinho não vingasse, prometeu ao santo o mesmo nome. Só ela o chama assim.
Alemberg, nome do conde da novela que a mãe assistia.
É conhecido mesmo por Alemberg Quindins.
Mas de onde vem esse Quindins?
Quindins foi uma banda que a gente fez de música regional, e aí as pessoas depois ficaram me chamando de Quindins. O povo só chama de Quindins, tenho que gostar.
Tomou contato com as lendas e com o imaginário de Nova Olinda por meio de uma cabocla descendente dos índios Kariri, que lhe contava a história dos índios. Começou a criar imagens e sons a partir delas.
A partir daí, não parou mais.
Aos 9 anos, montou uma editora onde publicava suas histórias em quadrinhos. Já fez cinema, e toda a divulgação dele, para os moradores de Tocantins, onde morava na época. E ainda vendia o negócio nos seus quadrinhos: “Seja sócio da editora”.
O sócio, no caso, recebia carteirinha personalizada, desenhada pelo próprio Quindins, e tinha o direito de pagar meia entrada no cinema. A entrada? 10 palitos de fósforos, meia, cinco palitos. Ele se orgulhava de “sustentar” a cozinha de casa.
Conseguiu adesão de todos os meninos da cidade, que não tinham o que fazer naquele lugar que nem no mapa constava.
A professora lhes ensinava: “Olha, a gente mora mais ou menos aqui.”
Outra batalha que Quindins ganhou: conseguiu, posteriormente, colocar Nova Olinda no mapa.
Paralelo a isso ainda tinha uma banda, a Banda de Lata, que tocava nos desfiles de misses das meninas. E jogava bola. Ganharam um campo para jogar, com a condição de que o mantivessem limpo. No meio do campo havia um pé de Pequi, fruto típico do cerrado.
Para divulgar os jogos do campeonato no Campo do Pé de Pequi, também criou a revista Placar. Todas desenhadas à mão, com pôster personalizado, afinal, não havia xerox.
Toda essa obstinação e menos de 18 anos.
Quando chegou a essa idade, decidiu conhecer o mundo e partiu para a Marinha. Não saiu de dentro do navio. Desapontado, voltou para a cidade do Crato e começou a resgatar as lendas que ouvira de criança.
Casou-se com Rosiane, sua companheira até hoje. Saíram pesquisando tudo sobre o vale do Cariri, tentando resgatar musicalmente a pré-história do local. Compuseram músicas a partir das lendas, conversas e instrumentos rústicos regionais.
Para se manter, vendiam artesanato. Começaram a adquirir cada vez mais peças, doadas pelos moradores que não sabiam o valor das pedras do lugar.
Os agricultores quando iam fazer o plantio, muitas vezes batiam, achavam uma pedra, um lítio, e aí então muitas vezes colocavam como peso para escorar a porta. Depois a gente foi resgatando isso, com a intenção de proteger aquele acervo. E foi fazendo uma catalogação das cavernas com pinturas rupestres. Esse acervo começou a ser visitado lá em casa por universitários. Eu peguei essa casa, que era a casa do meu avô e que deu origem à cidade de Nova Olinda.
E que, mais tarde, deu origem à Fundação Casa Grande.
1.2. Casa de sonhos
Então eu resolvi fazer o seguinte: uma casa onde resgatasse a mitologia e arqueologia desse povo. Agora, o interessante é o seguinte: eu me lembrava de um indiozinho de madeira, estava em meu subconsciente. Eu era muito pequeno, devia ter uns cinco anos, três anos. Como se fosse um sonho, mas eu tinha certeza de que aquilo aconteceu mesmo. Mas aí um dia, eu passando na casa dessa pessoa, eu perguntei. Ela disse: “sim, você vinha aqui quando era criança, o indiozinho está aqui.” E foi lá no baú e tirou. Hoje esse indiozinho está na entrada da Casa Grande. A gente chamou ele de Cariuzinho, que é dos Cariú, que era da tribo dos Kariri, família Cariú.*
* sobre as lendas que a cabocla lhe contava quando criança
Nova Olinda começou em um rancho onde Garcia D’Avilla aportou para começar o processo de sesmarias no Brasil. Lá começou o ciclo do couro, o início do comércio do gado. No lugar em que passavam, deixavam aqueles ranchos de comboeiros. Ali surgiu a tribo dos Cariú, da família Cariri. D'Avilla construiu uma tapera, que hoje é a Casa Grande. O avô de Quindins a comprou, na época. Em 1992, o próprio Quindins resolveu transferir pra lá todo o acervo que já havia resguardado.
O indiozinho virou personagem das histórias em quadrinhos que os meninos de Quindins escrevem. Ele é um ser encantado que leva os meninos no tempo para conhecer a “época das lendas”.
Os 4 programas na fundação:
1. Memória
- resgate da mitologia e arqueologia/ museu
Alemberg e a esposa, Rosiane Limaverde, durante anos pesquisaram a música e a geografia da região, reunindo objetos, mitos e lendas da Chapada do Araripe e do Vale do Cariri, onde fica Nova Olinda. A região é rica em fósseis, objetos e pinturas rupestres. A atenção despertada por esse inusitado museu do sertanejo "pré histórico" foi o estopim para a criação da Escola de Comunicação Meninada do Sertão.
- proteção dos sítios arqueológicos da região, instruindo as pessoas em como preservar.
2. Comunicação
- rádio – em parceria com a UNICEF, capacitam crianças para a elaboração de programas de rádio. Hoje o programa já está em Angola e em Moçambique. São programas DE crianças PARA crianças.
Todos os dias Valeska Cordeiro, 13 anos, comanda o programa infantil da rádio, o Submarino Amarelo, no qual "embarcam" cerca de 20 crianças que estão aprendendo a arte de fazer rádio para outras crianças, diariamente, das 13 às 14 horas. É ela quem separa as músicas e, conversando com os demais colegas, decide qual será o tema do dia: coisas saudáveis que a meninada pode e deve fazer, como o quanto é bom ir à escola para aprender a gostar de ler.
Outras crianças também têm seus programas na rádio que começou em 1995, ao vivo, com apenas um transmissor e 4 auto-falantes (material abandonado de uma igreja), transmitido somente nos finais de semana. Em 1998, foi reconhecida pela ANATEL como rádio comunitária e sua programação passou a ser diária (das 5 horas da manhã às 10 horas da noite).
O objetivo da rádio agora é alcançar o status de educativa, podendo operar com maior alcance, chegando a toda região do Cariri – Crato, Juazeiro, Assaré, entre outras cidades.
- TV Casa Grande
- Editora – com jornal e revista mensais.
3. Arte
- Cinema – criação de filmes e estudo. Têm a TV Produz, programetes com depoimentos que passam antes de cada sessão de cinema, foi batizada de Sem canal, por conta do corte da ANATEL. Tem qualidade profissional na ilha e produção de DVDs.
A partir de uma certa idade, também apuram o senso estético da meninada as imagens de mestres como Tarkovsky, Bergman, Antonioni, Pasolini e Hitchcock, em sessões lotadas com até 200 pessoas.
- Música – a iniciação à música é feita pela Bandinha de Lata. "Os instrumentos são de lata e madeira, não produzem som; as crianças é que fazem o som com a boca. Nessa fase, estão iniciando a familiarização com o ritmo", afirma Rosiane.
- Artes Cênicas - São realizadas oficinas, espetáculos e teatro de bonecos. Atualmente está sendo construído no terreno da fundação um teatro com capacidade para 150 pessoas, financiado pelo governo do Ceará.
4. Turismo Solidário
A ideia de captar turismo nasceu em cima de uma demanda. A Casa Grande recebe 3 mil visitantes por mês, vindos de todos os lugares. Estudantes de outros países, pessoas interessadas em pesquisas.
Foram criadas, então, as pousadas domiciliares, onde os moradores (e pais dos jovens que frequentam a fundação) são instruídos a construir mais um quarto com banheiro para que os visitantes tenham onde ficar e que seja acessível, tanto do ponto de vista turístico quanto ecônomico.
Os pais, muitas vezes, são também guias turísticos e/ou motoristas.
É cobrado um valor de 40 reais para que o turista tenha acomodação e todas as refeições. Desse valor, 80% é destinado à reposição do material gasto e investimentos na própria pousada. 10% vai para a manutenção da cooperativa (de pais, para os trazerem como aliados para a fundação) e 10% para um fundo de educação (pagamento do transporte a todos os estudantes que passarem no vestibular, já que a Universidade, a URCA, fica em Crato, a 42 km). São oferecidos também cursos de hotelaria e gerenciamento de pequenos negócios voltados para o turismo.
De modo geral, a escola de comunicação de Quindins tem como objetivo abrir a visão das crianças que a frequentam e diversificar seu modo de ver as coisas.
Um detalhe curioso nisso tudo é que a Casa Grande não possui site. Até há pouco tempo não possuíam internet também. Adquiriam há pouco dois pontos de internet, um pelo MINC, com o Ponto de Cultura, e outro pelo Criança Esperança,hes doou um laboratório.
Para Quindins, o importante é a origem e o conteúdo. Coisas que ele mantém vivas nas crianças, já que a fundação é toda “comandada” por crianças e jovens.
Boa parte daquilo que a gente sabe, na realidade, não serve muito para a sobrevivência da gente.
Esse é o espírito da Casa Grande, de constar no mapa, de querer saber qual a importância de estar no mapa de seu país. Da criança ser incluída socialmente como pessoa. E acima de tudo, formar comunicadores, para que eles descubram o mundo.